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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Mateus Fiorentini fala de sua experiência em Cuba

Em abril deste ano, Mateus Fiorentini, 26 anos, membro do PCdoB, desembarcou em Havana, a capital da ilha mais controversa do Caribe. O estudante de história, militante político e ativista estudantil foi o escolhido para representar o Brasil na Organização Continental Latinoamericana e Caribenha de Estudantes – OCLAE, que tem sede em Cuba.


Acervo Pessoal
matheus fiorentini

“A UNE participa já faz alguns anos da entidade e desde 1999 ocupa uma vaga do secretariado executivo da OCLAE”. Esta vaga é ocupada atualmente pelo estudante de história que é um dos quatro secretários executivos da organização, junto a representantes de entidades estudantis de outros três países – Cuba, Nicarágua e Equador.

Natural de Passo Fundo e envolvido no movimento estudantil desde 1992, Mateus conta que a curiosidade por conhecer o país governado por Fidel Castro até 2008, o acompanhava há algum tempo. “Sempre li muito sobre a história de Cuba, livros, artigos, e também assisti muitos filmes cubanos. Sempre foi uma referência, então cair lá foi uma experiência muito boa”. No início desta semana, o hóspede cubano esteve em Passo Fundo em visita aos familiares, oportunidade em que foi entrevistado por O Nacional. Após as férias, Mateus retorna à ilha, onde continua a residir pelos próximos dois anos.

A OCLAE

Na OCLAE são representadas 32 organizações de 23 países da área de abrangência. Mateus explica que a função da entidade é propor políticas públicas e articular causas de estudantes secundaristas, de graduação e pós-graduação das nações participantes. “Os estudantes brasileiros hoje pautam a aplicação de 10% do PIB, na Argentina eles pautam 7% do PIB e no Uruguai eles querem 6%. Então o papel da OCLAE é ver como essas reivindicações em diferentes países se unificam, embora essas lutas já sejam naturalmente linkadas por serem referências uma às outras”, exemplifica.

Primeiras impressões

Ao se deparar com Cuba, o secretário executivo da OCLAE afirma que não houve um choque cultural apesar das diferenças, e comenta equívocos que, em sua opinião, alguns brasileiros incorrem. “Acho que muita gente que vai pra lá comete dois erros. Um é romantizar, achar que existe o paraíso na terra porque não existe. Com isso muita gente que vai pra lá se impacta com a realidade. Outro é que tem gente que acha que vai encontrar um Brasil, isso não existe. Há coisas que são muito diferentes, assim como há coisas próximas”.

Para Mateus uma das marcas que mais aproximam a terra tupiniquim à ilha de Fidel é a Santeria. “Uma espécie de Candomblé onde são cultuados muitos orixás presentes nas religiões afro-brasileiras. Eles têm uma influência Iorubá muito grande na cultura deles, assim como no Brasil. Isso causa uma proximidade, existem semelhança entre a cultura cubana e a brasileira”. Tanto pela religiosidade, como cultura musical, o secretário da OCLAE também considera que Havana parece um pouco Salvador.
Outro fato que chamou atenção do passo-fundense é a ausência de moradores de rua. “Não se vê pessoas dormindo na rua. As únicas que eventualmente se vê, são pessoas que ‘tomaram todas’ e não conseguiram voltar pra casa, porque todos têm casa”. A baixa criminalidade também causa certo estranhamento para quem está acostumado com a realidade brasileira. “A gente chega lá com a cultura daqui, acostumado a andar na rua se cuidando. Lá as pessoas caminham de madrugada na rua com muita tranquilidade”.

Como o governo subsidia quase tudo e não há a mesma disponibilidade de produtos das economias capitalistas, a relação entre trabalho e sobrevivência tem características próprias. “O ritmo (de vida) deles é muito diferente. Uma sociedade como a nossa impõe um ritmo meio frenético, lá não. Tanto que muita gente sai de Cuba, mas quer voltar porque não suporta as condições de trabalho. São pessoas que vão para outros países e tem que trabalhar 14 horas, sendo que em Cuba a jornada de trabalho é de cerca de seis horas diárias”.

O embargo

Desde 1962 os Estados Unidos (EUA) impõe a Cuba embargo econômico, comercial e financeiro. Com isso o acesso a diversos produtos fica restrito, exemplo é a lei norte-americana que proíbe o comércio com a ilha de qualquer artigo com 10% ou mais de tecnologia americana. “O embargo impacta objetivamente na vida das pessoas, são alimentos que eles têm que comprar de fora, por intermediários e que chegam custando três vezes o valor”, conta.

Para amenizar o impacto da restrição comercial, Mateus conta que (a partir do fim da União Soviética - URSS, de quem eles eram dependentes) existe um importante investimento em pesquisas científicas. Além disso, o bloqueio também teria aguçado a criatividade cubana. Para o líder estudantil uma das frases mais presentes no vocabulário da ilha é “o que a gente não tem aqui, a gente inventa”.

Liberdade e poder

Na opinião de Mateus não existe repressão ao que se fala, mesmo que contrariando o regime. “O único tipo de repreensão que se pode sofrer é caso alguém fale mal do Fidel e esteja por perto um fidelista muito doente que resolva te bater. Mas até a oposição ao regime faz passeata com escolta da polícia. Se existe algum tipo de repreensão vem do próprio povo, mas eles mesmos fazem mil críticas com a maior tranquilidade. Assim como governantes, militantes, não militantes, trabalhadores, todo mundo faz porque tem problema. O Fidel sempre disse uma coisa: a revolução é não se acomodar jamais”.
A impressão do jovem em relação ao líder revolucionário também é diferente da imagem de um ditador. “Contradizendo o que muita gente diz, o Fidel não cultua a própria imagem. Se vê muito pouco a imagem dele na rua. O povo idolatra ele, tem retratos dentro de casa, mas nos espaços públicos é muito raro”, avalia

Mudança?

“Essas mudanças que estão acontecendo agora fazem parte de um debate que eles iniciaram nos anos 1990 ainda, logo que caiu a URSS. Porque a dependência dos soviéticos era muito grande, eles mesmos dizem que o que estão fazendo é ‘recubanizar’ a revolução”. Para Mateus os cubanos perceberam que era preciso renovar o modelo que estava sendo construído porque o mundo já não era mais o mesmo. Ele considera que a busca atual é por dinamizar a economia. “Há uma discussão de que o público não necessariamente quer dizer estatal, na URSS tudo era estatal e durante muito tempo e ainda aqui, quando a gente pensa em algo público, pensa como sendo do Estado”, explica dando como exemplo as cooperativas.

Mesmo assim, o membro da OCLAE acredita que as mudanças não significam o fim do sistema socialista na ilha. “Eu não diria que é uma abertura, mas neste processo eles vão fazer algo muito parecido com o que fez a China, por exemplo, quanto à entrada de capital não estatal”.

O jeitinho cubano

“O que tem de mais admirável acho que é a simplicidade, a alegria deles. A criatividade dos cubanos é inacreditável”, avalia. Mateus conta que Cadillacs com mais de 50 anos, são consertados e postos em pleno funcionamento. Um dos motores das soluções, muitas vezes inusitadas, inventadas pelos cubanos é o embargo imposto pelos EUA. “Vi uma pessoa que precisa de um colete de coluna que não se faz em Cuba e até chegar o problema dela estaria muito agravado. Pra resolver, fizeram com cano de PVC e papelão um colete”, relata.

Matéria publicada originalmente no jornal O Nacional

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